Reflexão do 2º Domingo da
Páscoa (Domingo da Divina Misericórdia)
A Palavra de
Deus hoje, como nos apresenta o Atos dos Apóstolos, não quer colocar em evidência
a ressurreição (sua importância) mas a importância da gente que acredita em
Jesus e na sua ressurreição e vemos isso especialmente no Evangelho. Jesus aparece
aos apóstolos reunidos (porque estava com medo) e só Pedro que de vez em quando
saia lá na praça pública e dava testemunho da morte e ressurreição de Jesus, e
não tem medo de dizer: “Aquele que vocês mataram, ressuscitou” (At. 4, 10).
Pedro é que sai, os outros ficam sempre com medo. Mas enquanto eles estão
reunidos Jesus aparece. Qual é a primeira coisa que faz? Ele diz mais de uma
vez: “A paz esteja com vocês” (Jo 20, 19), que não é uma simples saudação, como
a gente faz normalmente. Ele diz e constrói a paz porque quando Ele está
presente, se tem a paz com os cristãos, e a primeira coisa que Jesus ressuscitado
faz, é construir a paz.
E depois por ocasião da terceira vez, vemos também a reação diferente daqueles outros discípulos e apóstolos, eles antes na primeira vez recebem a força do Espírito. Naquele momento, Tomé não estava aí, pois chega depois ao lugar onde estavam reunidos com Jesus (Jo 20, 24). Tomé é o típico exemplo de Cristão que firma sua fé, não sob a pessoa de Cristo, mas sob fatos extraordinários, sob poder, sob curas, sob libertação. E é por isso que ele diz para os outros apóstolos: “Se eu não ver os pregos, se eu não colocar o dedo lá, eu não acredito” (Jo 20, 25). Isto é, não acredita que Jesus se fez serviço aos outros, ele não acredita que foi a negação da Cruz e da Morte que levou Jesus à ressurreição. Para ele, só acredita se tocar com a mão, não os pregos, as chagas, mas sim o "fato maravilhoso, grandioso, os milagres". Quantas vezes nós temos as mesmas atitudes, em vez de decidir acreditar no Senhor Jesus e de viver como Ele nos ensinou, ficamos amarrados só a esses milagres extraordinários, achando que é a fé é um fato de vontade, de fervor, de piedismo.
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Artista: Luís Henrique Alves |
Aqui é o exemplo
bem claro que é uma consequência daquilo que Jesus diz, cada gestos que a gente
faz: “Bem-aventurados aqueles que acreditam sem tocar, sem ver” (Jo 20, 19).
Jesus está dizendo que a fé é uma decisão pessoal de vivência Cristã. Não é dizer
“eu tenho muita fé que vai acontecer”, essa não é fé, é desejo, e depois não
faz nada para viver as consequências da decisão que cada um faz, só esperando
que Deus faça, essa não é fé não. E sobre isso lembremos o que nos diz São João
na primeira carta: “A salvação nos veio através da Morte e ressureição de Jesus”
(1 Jo, 5, 5-6) e aquilo que pode combater contra o mau presente pessoalmente em
cada pessoa, mas também comunitariamente e socialmente, é o fato de viver como pessoas
de fé, ou seja que tem ações (e consequências) de cristãos verdadeiros.
A primeira
leitura dos Atos dos Apóstolos coloca em evidência de que se trata esses gestos,
essas atitudes verdadeiramente cristãs, e a gente poderia resumir esse sentido
naquele pedacinho quando ele diz: “Entre eles ninguém passava necessidades” (At.
4, 34). Quando a gente reflete esse pedacinho em grupos, uns até dizem “temos
que nos desprender dos bens que a gente tem” enquanto que não tem nada de tudo
isso. Repito a frase: “Entre eles ninguém passava necessidades”, então cada um
para ser cristão tem que administrar as coisas que tem, seja pouco ou muito, com
responsabilidade, vivendo e fazendo ações para que em nosso meio não tenha
ninguém passando necessidades.
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Mesa da esperança do artista Joey Velasco |
Faço um exemplo bem claro. Na pandemia, aqui no Brasil, aumentou e muito os pobres e aqueles que perecem por fome. Assim como aqui no nosso bairro, aumentaram muito com a pandemia. Por outro lado, nunca tivemos no Brasil um crescimento tão forte pelos grandes industriais e multinacionais brasileiras, nunca ganharam tanto como nesse período da pandemia. Aí a gente vê o reflexo dessa desigualdade quanta sabemos da quantidade de pessoas com necessidades, quanta gente que vem na igreja, não diz nada porque tem vergonha, estão passando necessidades.
Então o verdadeiro Cristão não é aquele que vai lá à frente da Eucaristia, ou que fica apenas rezando o terço da misericórdia, da libertação, da cura, e não faz nada e nem se preocupa com seus vizinhos que estão passando fome. Então que Cristão é esse? É o cristão do fervor.
Deve se rezar
sim, especialmente hoje, dia da divina misericórdia, evocar a Ele, para que tenha
misericórdia de todo o povo brasileiro que está sofrendo imensamente, mas
também devemos nos organizar, agir, nos ajudar, fazer o que está ao nosso
alcance para ajudar aos outros, e não justificar as atitudes desses grandes
poderosos, metidos a genocidas, e muitos em nosso meio, que se dizem cristãos, continuam
apoiando e defendendo as atitudes genocidas “dessa gente”. E tem gente que
inclusive está aqui dentro da Igreja, que diz que “reza” e continuam apoiando
esses desmandos que só aumentam o sofrimento das pessoas. Estão morrendo os
vizinhos e as vizinhas, não só pelo coronavírus, mas também na sua dignidade, porque
não sabe o que comer o que dar de comer a sua família, e não estão nem aí, e
ainda dizem “vamos rezar para que Deus dê comida pra essa gente” como se Deus
que tivesse que se mexer para resolver, o que na verdade depende de cada um de
nós.
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Fonte: Freepik.com |
E para encerrar repito
para resumir a nossa reflexão desse domingo, a frase que o Atos dos Apóstolos
nos lembrou: “Entre eles ninguém passava necessidades, pois aqueles que possuíam
terra ou casa, vendiam e levavam o dinheiro e colocavam aos pés dos Apóstolos, para
que assim não tivesse ninguém que passasse necessidades” (At. 4, 34-35).
* Por Pe. Roberto Gazzoli.
Pároco na Paróquia Sagrado Coração de Jesus.